25.1.07

escritos do baú


crónica de SEVERINO

Severino era alto,direito e enxuto de carnes a ponto de quase só ter a pele a tapar-lhe os ossos e nenhuma mulher havia logrado adoçar-lhe,pelo casamento,o feitio agreste.

.Muito honesto e trabalhador,fizera da sua vida um espaço de estrita obediência a principios severos e não poucas vezes,em errada interpretação,o que lhe acumulara ,em conjugação com humilhações reais e imaginárias da infância ,uma dose hiperbólica de azedume e desprezo pela humanidade.

Encontrava-se sempre preparado para apanhar as pessoas em falta,o que lhe dava um certo ânimo e satisfação.Lidar com ele,era ter sempre presente o principio,tão apregoado,nos filmes policiais americanos “Tudo que disser poderá ser usado contra si”.E durante décadas!.Assim a grande vantagem de nos mantermos apenas ouvintes,sem nos admirarmos de nada, nem nos ofendermos com o discurso terrivelmente cáustico,como se fossemos imunes aos virus de frustração e desespero,que o habitavam.

Encontrando-se o último descendente digno da velha família apreendera os centenários pergaminhos da estirpe,pois as novas gerações eram achadas inexistentes ou espúrias,acusadas do crime de haverem nascido,quando ele não tinha filhos.

Objecto de culto,quase de latria,pelas irmãs, também solteiras,que lhe agradeciam o não ter casado,para não as deixar sòzinhas,deram-lhe a certeza que era um ente superior a todos os outros homens do seu tempo e merecedor das exclusivas e únicas atenções dos que o rodeavam,que deviam adoptar as suas idéias e maneira de ser ,sem o que eram assimilados,de imediato,a produtos de latrina.

E para mostrar o soberbo desprezo aos familiares mais chegados,a quem atribuia imaginárias e constantes ofensas,mesmo antes de nascerem,deslocava-se expressamente à sua porta,para soberanamente não os visitar.

No entanto que expressão de dor,de grande sofrimento,quando morreu a irmã,que melhor conseguia chegar ao fundo do seu coração,depois de vencer as eriçadas barreiras de espinhos acerados que o rodeavam, e a imagem de umas pobres florinhas campestres esmagadas contra o seu peito,para colocar na campa,permaneceram na memória dos que o acompanharam no funeral.

1 comment:

Anonymous said...

Severo Severino.
Até este texto é severo...

Gros bisous, ma Marie! :)